O charme discreto de uma capital

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Ainda é cedo quando os primeiros raios de sol iluminam uma das pontas da estrela-marinha da coroa da estátua de Iemanjá no píer, no início da Praia de Camburi.

Texto e fotos: Rimene Amaral

Estamos em Vitória, a capital do Espírito Santo, onde o sol nasce mais cedo. E também se põe mais cedo. Na areia, nativos preparam para uma partida de totó – um jogo que usa uma bola de tênis e duas raquetes. Mais adiante, um surfista esfrega parafina na prancha, enquanto as ondas vão se impondo sobre a praia e lambendo a areia. Uma turma de jovens também se esforça para colocar uma canoa havaiana no mar – eles vão remar por mais de duas horas, explorando as belezas da baía e transformando seus corpos com o exercício. Assim começa um dia típico na ilha de Vitória.

Quando se chega pelo ar, de cima pode-se ver que o lugar é muito mais que apenas uma cidade. É um conjunto de ilhas com intervenções rochosas que lembram a cidade maravilhosa, o Rio de Janeiro. Só não tem o título, mas também tem seu charme. Discreto, mas tem. A paisagem também é linda. O contraste entre natureza, rochas e construções modernas dá um ar de encanto e deixa a capital capixaba com cara daquelas cidades cenográficas criadas para filmes. Uma dessas imagens é a Terceira Ponte, construída para ligar Vitória à cidade-irmã, Vila Velha, outro paraíso de encher os olhos, com praias limpas – e água fria! – e areia clara e fina. Em algumas épocas do ano pode-se ver pinguins passeando por ali.

A capital tem evoluído e vem se reinventando. Revitalizada recentemente, a orla de Vitória recebeu calçadão novo, pista de cooper, ciclovia e pistas de patinação e skate. Virou point dos moradores e de turistas. Os quiosques, antes feitos meio no improviso, com folhas de zinco, agora são padronizados, de alvenaria, e servem comida típica praiana, cerveja gelada e água de coco. Em alguns deles é possível até curtir o fim de tarde ao som de boa música ao vivo. Do outro lado do calçadão, restaurantes, hotéis e boates fazem a alegria dos turistas.

O gosto do som
Se você estiver em Vitória e ouvir o som de um triângulo (aqueles mesmos usados como percussão em rodas de forró) tocar com um ritmo peculiar, pare o que estiver fazendo e corra atrás do som. São os vendedores de quebra-queixo – doce de coco ‘puxento’, misturado a outras iguarias, como abacaxi, maracujá, baunilha… – que passam pelas ruas vendendo o doce. O curioso é que cada vendedor tem o seu ritmo próprio. Quem conhece, sabe até que gosto tem o quebra-queixo daquele som de triângulo.

História
A capital capixaba ainda conserva os ares tranqüilos da antiga Villa de Victória. Tem 469 anos de história e é a terceira capital mais antiga do país, fundada em 8 de setembro de 1551, logo depois de Recife (1548) e Salvador (1549). A cidade é a maior ilha de um arquipélago de 34. Em meio ao pequeno núcleo urbano de feições coloniais havia plantações, que na língua indígena eram chamadas “capi-xa-ba”, expressão que acabou servindo para denominar os espírito-santenses. Nos 300 anos iniciais de sua história, Vitória foi uma vila-porto. Enfrentou franceses, ingleses e holandeses atrás de pau-brasil e açúcar.

Pelas ruas pode-se navegar pela secular história contada por igrejas, fortes e construções ecléticas do século XX, misturadas a outras coloniais. E Vitória harmoniza o passado com o futuro. Prédios antigos contrastam com arrojadas e modernas construções novas, no meio de um trânsito que parece ser conturbado, mas com um respeito que deixam os forasteiros desacreditados. Para atravessar uma via, basta estender o pé na rua e os carros param. Mesmo que não haja faixa de pedestre.

Parada obrigatória

A cidade tem lugares onde a natureza caprichou. A badalada Curva da Jurema é um deles. A tranqüilidade das águas só é quebrada pelos roncos dos jet-skis e das lanchas. Os veleiros garantem uma paisagem de cinema. Ali, no meio da cidade, paredões rochosos fazem a alegria daqueles que desafiam a altura e o vento, nas escaladas. O rapel é também é muito praticado e a recompensa é a vista exclusiva de cima de cada um dos vários paredões. A Praia do Canto e a Praça dos Namorados é o ponto de encontro da juventude bem vivida de Vitória. Mas também têm parques espalhados pelo centro e bairros da cidade, museus e uma vida noturna agitada, com boates, bares e ótimos restaurantes, com uma culinária típica e inigualável, a exemplo da famosa moqueca capixaba, feita em panela de barro (uma das maiores expressões culturais do Espírito Santo), obrigatória no cardápio de qualquer restaurante que se preze.

Cartão postal da cidade é também a Ilha do Boi, local onde a alta sociedade de Vitória vive rodeada de natureza e mar, hora azul turquesa, hora verde esmeralda, como se fosse um condomínio de luxo. E é, na verdade. Assim como a Ilha do Frade, com uma vista privilegiada para um mar aberto e calmo, cheio de grandes embarcações, onde apreciar a lua cheia nascer entre os navios é muito mais que obrigação. É uma visão inenarrável. Vitória tem hospitalidade e um povo que sabe viver o dia-dia comum: amanhece, anoitece e a cidade continua viva, modesta e simpática. O sol sabe disso e cega os forasteiros de satisfação ao ver os primeiros raios refletirem a força de Iemanjá a proteger o mar e os que tiram dele seu sustento.

A Grande Vitória
A Região Metropolitana de Vitória abrange sete municípios. Um deles, o município de Serra, a cerca de uma hora da capital, é o primeiro em população. Mais até que a capital. É lá que estão outros paraísos naturais de deixar goiano de boca aberta. Manguinhos, um dos bairros de Serra, reserva praias calmas e mar com tons dégradé de azul que lembram o caribe. As rochas marinhas, cobertas pela maré alta, formam piscinas naturais e mornas, quando a maré baixa. Jacaraípe, outro bairro de Serra, escancara a beleza e atrai turistas e surfistas. A beleza do mar é proporcional às ondas. Nas orlas de Jacaraípe e Manguinhos apenas um calçadão separam os bares e restaurantes da imensidão azul. Um passeio que merece mais de um dia.

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