Por Rimene Amaral
Era uma quinta-feira de maio, início da Primavera. Fazia um friozinho agradável e ventava um pouco. A temperatura diminuía no largo da Fontana di Trevi, em Roma, onde o vento encanado, vindo da Via Condotti, cortava o centro histórico, passando pelo Pantheon e desencanando na Piazza Navona, onde artistas plásticos pintavam os rostos de turistas com grafite em papiro.
O vento carregava os aromas de ervas e molho de tomate, que se misturavam ao inconfundível cheiro de pão assado. Segui um desses cheiros. Fui teleguiado como personagem de desenho animado, quase flutuando. No número 41 da Via del Lavatore, uma placa ostentava um singelo Hostaria Trevi, uma cantina tipicamente italiana e familiar. Entrei. O cardápio era bem democrático e eu poderia pedir apenas um prato entre massas, carnes ou antepasto, mas também poderia escolher uma espécie de menu degustação: entrada, prato principal e sobremesa. Tudo acompanhava aquele pão que cheirava por todos os becos do centro histórico romano.
Comecei por uma parmiggianna alla melanzana, uma deliciosa berinjela à parmegiana. Enquanto a iguaria era preparada, mergulhei num chianti Bellosguardo de cantil de palha. Do lado da garrafa, uma cesta do tal pão e um ramequin de pedra com pesto de manjericão. Enfim, sua majestade a berinjela!
A moça que me serviu, simpática passado da conta, me explicava como extrair a melhor combinação do prato. Primeiro uma fatia de pão regado com azeite em abundância, queijo parmesão ralado, uma fatia da parmegiana e mais um fio generoso de azeite. Para finalizar, uma pitadinha de pimenta calabresa e… buon apetito!
Depois da primeira garfada eu tive a certeza de que, caso eu esteja no leito de morte, este prato me fará viver mais um bom tempo. De uma simplicidade que quase decepciona, não fosse pelo paladar. E há paladares explicáveis. Não é o caso.
Aproveitei o excesso de simpatia da moça que me atendeu – coisa difícil de agradar, em Roma, é o atendimento – e puxei assunto, num italiano digno da massa all dente com pesto de pistache e bacon crocante na segunda página do cardápio.
Com jeitinho e muita conversa, ela chamou a mãe até a mesa e, mais um ou dois dedos de prosa, eu estava a caminho da cozinha para conhecer parte do segredo para fazer aquele prato cheio de predicados. Vi a montagem de uma porção e questionei alguns temperos e técnicas. Eu tinha acabado de encontrar o fim do arco-íris. Com as informações que tinha, anotei alguns pontos no celular para não me esquecer e saí de volta para a mesa. Eu era o mais feliz da cantina. Terminei o meu chianti e comi o resto do pão com o molho de tomate e queijo que havia sobrado na travessa. Um dia memorável. Um sabor inesquecível. Tanto que fiquei só naquilo.
A receita
Berinjelas fatiadas com casca no sentido longitudinal com um pouco de sal vão para debaixo de uma panela de ferro pesada para desidratar. Depois as fatias são grelhadas em azeite. Muitas fatias. Superada a fase mais difícil, começa a montagem: Uma camada de molho de tomate, uma camada de fatias de berinjela grelhadas, temperos (pimenta calabresa, tomilho e orégano), uma camada generosa de muçarela e tudo se repete: molho de tomate, berinjela, temperos, muçarela… Antes de terminar a última camada raspas de limão siciliano para um toque mais que especial ao prato. Ao final, muçarela de búfala e azeite. 30 minutos de forno (e era forno de barro!). A visão do prato é de extremo amor. Daí é só montar como a moça excessivamente prestativa ensinou.
E se você chegou até aqui, não imagina aonde seu paladar, provando uma autêntica parmiggianna alla melanzana pode te levar.